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Reflexão: Os amigos que habitam minhas memórias.

Gostaria de confessar uma coisa. Tenho medo.

Não, não é do escuro, embora esse me apavore. Não é de morrer, embora esse me devore os pensamentos. Não é de perder os movimentos das mãos e nunca mais poder escrever, maquiar ou acarinhar meus afetos, embora esse seja o mais latente e perseguidor.

O maior e mais assustador dos medos é de um dia perder a memória e assim, de uma vez só, perder todos os meus amigos.

Imagina, acordar um dia e não lembrar que o cara barbudo dormindo ao meu lado carrega o título de meu melhor amigo. Não lembrar que nossa amizade se transformou em amor e que mesmo assim continuamos amigos seria terrível. Não lembrar que selamos essa amizade com beijos todos os dias e que compartilhamos os segredos mais secretos do mundo, aqueles que mais ninguém sabe, seria absolutamente doloroso.

Levantar da cama e não lembrar dos primeiros amigos que tive na vida, a quem eu carinhosamente chamo de pai, mãe e irmãos seria insuportável. Meu primeiro melhor amigo me ensinou que pode sim, existir amizade sincera entre homem e mulher. Minha primeira melhor amiga curou meu coração quando eu me decepcionei com “aquelas” que diziam ser minhas amigas, provando ser a melhor que eu poderia ter. Meus irmãos me ensinaram que amigos de verdade vibram com o sucesso do outro e que amigos podem ser sinceros sem serem cruéis.

Não lembrar que foram com meus primos as travessuras mais ousadas que vivenciei na infância e não lembrar que minha amiga mais velha faz o melhor bolinho de chuva do mundo é de dar um nó na garganta.

Por mais que a gente considere os “outros amigos” como a família que a gente escolheu, a nossa família escolheu a gente e talvez ser escolhido seja a maior prova de amizade que existe.

Eu jamais poderia suportar o fato de não lembrar dos meus amigos de escola. Daqueles que fizeram desse período um dos melhores da minha vida, daqueles que eu converso até hoje e daqueles que nem sabem que marcaram a minha vida. 

Eu lembro de ficar imensamente triste durante as férias, não por ser uma aluna aplicada (e eu era mesmo), mas por ficar distante dos meus amigos. Quem nunca foi separado do seu melhor amigo na sala de aula por conversar demais, quem nunca teve uma agenda ou caderno com frases escritas por eles ou pior ainda, quem nunca teve uma blusa de uniforme completamente rabiscada no final do ano, jamais saberá o quanto amigos de escola são as lembranças mais incríveis que possuímos.

Esquecer que aquela xícara do Cirque du Soleil que eu nem uso por medo de quebrar é uma das maiores provas de amizade que eu tenho e não lembrar que as duas pessoas que me deram ela de presente são as mesmas que habitam as minhas melhores memórias, seria a dor mais incontrolável do mundo.

Esquecer que pelo menos uma vez na semana eu preciso apertar o número 505, me anunciar e subir até o quinto andar seria demasiadamente triste. Mas esquecer da porta que está sempre aberta e que atrás dela tem o sorriso mais acolhedor do mundo, só de pensar em não lembrar mais daquele sorriso eu paraliso.

É enlouquecedor pensar em perder todas as minhas memórias, pois meus amigos habitam em todas elas. Coleciono histórias com cada um deles e já não saberia viver sem saber que os tenho por perto. 

Ainda que eu vá morar na Toscana eu sei que eles estarão comigo.

Oro para Deus e peço que eu nunca esqueça, mas se um dia eu esquecer, tomara que eu tenha tempo de colecionar mais algumas memórias e viver mais algumas histórias.

Por que amigos são raros, mas saber ser amigo também é.

Vanessa Caetano



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